Biografia

A travessia de um rio requer destreza. Sua transposição é um misto de momentos de serenidade bucólica que em poucos segundos podem transformar o curso natural das águas em marés cheias e violentas. Se fosse um disco e esse rio transitório, ele poderia ser chamado de A Sinfonia de Tudo o Que Há, o novo disco da banda Fresno. A obra reproduz uma jornada em ondas sonoras, onde a calma e a fúria não concorrem entre si, mas dialogam de forma ordenada numa sinfonia com começo, meio e fim.

Dizer que o álbum é uma obra ousada é se apegar a rótulos. E é justamente isso (rótulos) que o disco repele. Há muita riqueza e sensibilidade nos detalhes inseridos nas 11 faixas escritas por Lucas Silveira. “O disco foi concebido como uma ópera-rock, mas sem necessariamente fazer uso do que classifica uma obra como uma ópera. Mas eu utilizei muito da “Jornada do Herói” de Joseph Campbell para conceber o tom do disco, as quebras de ritmo e narrativa, bem como a aura das músicas. E a orquestra nos ajudou a contar essa história”, diz Lucas.

Os arranjos grandiosos são amplificados pela força da orquestra do maestro Lucas Lima. Sexto Andar, música que abre o disco, agarra o ouvinte com sua potência transcendental. A emoção, que antes vinha calçada de guitarra, baixo e bateria, agora ganha cordas, sopro e percussão vigorosos. As letras emanam espiritualidade, a busca pelo melhor dentro de cada um, sem cair em papo de autoajuda. Lucas explica como estabelece este dialogo entre a terra e o ar: “Existem ao redor do mundo pessoas preocupadas em salvar o nosso futuro, e essas pessoas pensam de maneiras diametralmente diferentes, e podem até pertencer a grupos que estão em guerra. Mas existe na natureza humana o bem, a fagulha “divina” que faz com que nos preocupemos com o próximo. O que procuro fazer com minhas músicas é inspirar os outros a encontrarem coisas boas dentro de si mesmos e trazerem isso tudo pra fora”.

Mudanças, quebra de paradigmas e o encarceramento dos medos estão espalhados entre as faixas da obra. Em Abrace Sua Sombra, o embate entre o bem e o mal é cristalino: “Levante os punhos se não quiser morrer / Depois da treva, um novo dia há de nascer / Abrace sua sombra / Abrace sua sombra e traga ela pra vida / Às vezes no escuro se encontra a saída / Peguei minhas fraquezas e vesti de canção / Cada momento é um quadro dessa exposição.”

Para este disco, o grupo formado por Lucas Silveira (vocal), Thiago Guerra (bateria), Gustavo Mantovani (guitarra) e Mario Camelo (teclado) decidiu se desprender de qualquer amarra. Expandiu sua percepção para além do que anteriormente poderia ser uma barreira de gêneros. A participação de Caetano Veloso em Hoje Sou Trovão, portanto, se encaixa naturalmente. “Cada segundo ocupando uma mesma sala que Caetano é uma experiência antropológica valiosa. Além disso, ter sua voz eternizada numa canção nossa nos dá, além de orgulho, a chance de sermos ouvidos por outros públicos, e uma sensação de que a música brasileira é uma coisa só.”

A faixa-título, mais uma para se ouvir no repeat durante horas, extrai do seu refrão a temática de coragem do álbum. Lucas canta com sentimento aflorado: “Eu sinto que não sou capaz, mas já não posso mais olhar pra trás / A salvação é uma canção / A imensidão nas minhas mãos.” Sensibilidade e fúria percorrem uma montanha-russa emocional sempre de mãos dadas. A verdade que escorre de cada letra e melodia certamente tocará o coração dos velhos e novos fãs.

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